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PL 4758/2020: contratos de fidúcia (“Trust Brasileiro”) e reflexos tributários.

O Projeto de Lei nº 4.758/2020 (PL) visa introduzir o contrato de fidúcia, que consiste em um regime de administração de bens de terceiros. Ficou conhecido como “Trust Brasileiro” justamente porque sua estrutura é inspirada na figura do Trust, instrumento bastante comum no exterior enquanto ferramenta estratégica para gestão e proteção patrimonial, principalmente em termos de planejamento sucessório.


A perspectiva brasileira (art. 2º do PL) também consistirá em um instrumento contratual (“trust deed”), a ser formalizado em cartório (imóveis/títulos) ou testamento, cujo escopo visa a entrega de bem ou valor (propriedade fiduciária) à determinada pessoa ou empresa (fiduciário: trustee) para que seja por ele administrado – em troca de remuneração – em favor e benefício do depositante (fiduciante: setlor) ou efetivo beneficiário por ele indicado: beneficiaries.


Tal como na perspectiva internacional do Trust, o contrato de fidúcia brasileiro busca determinar a separação entre os patrimônios do fiduciante (setlor) e do fiduciário (trustee), que não poderá utilizá-lo em proveito próprio. Os bens transmitidos, portanto, serão considerados patrimônio autônomo e não responderão por dívidas do fiduciário, apenas àquelas vinculadas à propriedade fiduciária (art. 3º, §§ 1º a 3º do PL), exceto em casos de fraude.


Atualmente, o tema traz controvérsia por parte de investidores, beneficiários e até mesmo das autoridades fiscais em relação a forma de tributação dos bens e valores recebidos por residentes fiscais brasileiros oriundos de Trusts. O cerne da questão gira em torno da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”) ou Imposto sobre a Renda (IR), respectivamente se os valores recebidos se qualificariam enquanto doação ou renda.


No MS nº 5017217-81.2020.4.03.6100, foi prolatada sentença em janeiro de 2021 entendendo que, apesar da existência de previsão legal acerca da isenção de IR sobre os bens adquiridos por doação ou herança, pela ausência de regulação, não é possível afirmar sua qualificação. Em análise ao contrato, a magistrada concluiu que os rendimentos são denominados pagamentos e, embora submetidos à discricionariedade do administrador, não são efetuados a título de liberalidade (art. 538 do Código Civil Brasileiro), afastando a natureza de doação e denegando o pedido do contribuinte.


A Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 41 de 2020 manifestando posicionamento favorável à incidência do IR sobre valores oriundos de Trusts no exterior recebidos por beneficiários com residência fiscal no Brasil. O entendimento está pautado na compreensão de que os rendimentos auferidos implicam acréscimo patrimonial e deveriam ser tributados por meio do carnê-leão (alíquota progressiva 27,5%) e inclusos na declaração de ajuste anual (DA-A) enquanto rendimento tributável recebido do exterior. Afastou, por outro lado, sua posição quanto a incidência de ITCMD por não ser competente sobre referido tributo.


O tema é embrionário no Brasil e deve ser analisado com a devida cautela. Em que pese não traga aspectos específicos quanto à tributação, o PL deverá aquecer a discussão e acelerar a pacificação de entendimento e potencial regulação quanto aos efeitos tributários incidentes sobre os valores recebidos a título de Trust no exterior com aplicabilidade proporcional à que será aplicada ao próprio contrato de fidúcia.


Até lá, os contribuintes deverão se manter atentos aos riscos de interpretações adversas. Deve-se contar com acompanhamento de equipe especializada, apta a dar suporte jurídico e estratégico necessário. Este acompanhamento se dá também na efetiva implementação do planejamento, levando em conta as necessidades do empresariado para apresentação das melhores soluções sob medida.